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RELAX

KASSIN  

Lab 344

 

Entre "Sonhando devagar", disco de estreia aclamado pela crítica brasileira como um dos melhores álbuns lançados em 2011, e este sucessor "Relax", que agora chega ao mercado nacional pelo selo Lab 344, muita coisa aconteceu na carreira e na vida pessoal de Alexandre Kassin. Não foram apenas sete anos (ou seis, considerando que o disco ganhou edição japonesa em junho de 2017).

O produtor requisitado por Caetano Veloso, Los Hermanos, Vanessa da Mata e Adriana Calcanhoto acrescentou à sua lista de clientes superbacanas bem atendidos Gal Costa, Erasmo Carlos, Tim Maia (postumamente, no "Tim Maia Racional, Vol. 3"). E, de forma marcante, teve a honra de tocar, colaborar e aprender com um de seus mestres e decisiva influência, Lincoln Olivetti (1954-2015), antes de sua súbita partida.

A escolha do título pode ter sido inconsciente, mas não é por acaso que "Relax" também é o nome de uma cultuada pérola de Lincoln e Robson Jorge (1954-1992), gravada pelo Painel de Controle no clássico vinil "Chama a turma toda", de 1978. 

De 2011 para cá, Kassin seguiu com o baile na Orquestra Imperial, mesmo baqueada pela perda de Nelson Jacobina (1953-2012) e, mais recentemente, de Wilson das Neves (1936-2017). A amizade e a colaboração como o baterista, morto aos 81 anos, em agosto, ainda irá aflorar em dois discos póstumos.

O baixista e cantor dos projetos +2 viu suas conexões internacionais se solidificarem, rendendo elogios como o do famoso DJ e dono de selo franco-britânico Gilles Peterson, que o definiu como "o Brian Eno do Brasil", e mais parcerias. Especialmente fértil foi o encontro com o grupo polonês Mitch & Mitch, com quem compôs, gravou e lançou, no ano passado, "Visitantes nordestinos" (sem edição no Brasil). 

Com os amigos Alberto Continentino (baixo), Danilo Andrade (teclados), Guilherme Monteiro (guitarra) e Stephane San Juan (bateria), Kassin empunhou novamente a guitarra em uma formação instrumental, Cometa. Parceiros em outros projetos, eles formaram o grupo ainda em 2014, inicialmente apenas para tocar em um festival em São Paulo, o Nublu.  Com ótimo entrosamento e sintonia nas referências, no ano seguinte registraram em disco (intitulado “Cometa”) o que chamam de “temas interestelares” com  elementos de surf music, trilhas de “western spaghetti” e outras mumunhas mais. O Cometa segue até hoje em atividade, podendo reparecer a qualquer momento em shows abertos para o improviso, seja no estúdio Audio Rebel, no Rio (“quintal” deles) ou em outro canto do planeta.

Todos esses encontros - e também as grandes perdas – influenciaram este "Relax". Mas, já a partir do título, o segundo disco solo de Kassin se recusa a chafurdar nos clichês tristonhos. 

As 14 faixas (12 delas, escritas pelo próprio Kassin, sendo seis sozinho, sem parceiros) reforçam a marca da sabedoria zen humorada do autor de "Tranquilo" (lançada em 2006, em "Futurismo", de Kassin +2), que já soma 15 regravações, incluindo versões para francês e espanhol) e de "Água" (originalmente também de "Futurismo"), registrada por Caetano Veloso e até por bandas de forró.

Com "Relax", essas duas composições perigam ganhar novas companheiras em seu status de cult hits. A faixa-título, por exemplo, quebra tudo no balanço discothèque à Barry White, com refrão certeiro e um trepidante arranjo de metais de Alberto Continentino. A escalação dos sopros merece ser citada aqui: Marlon Sette (trombone), Diogo Gomes (trompete e flugel), Altair Martins (trompete e flugel) e Zé Carlos Bigorna (sax e flauta).

Em quase todas as faixas, a cozinha rítmica é a mesma da estreia solo: Alberto Continentino no baixo e Stéphane San Juan na bateria. São dois grandes músicos que aliam alta performance com ótimo gosto e referências - além, é claro, da amizade e da intimidade que ajudam imensamente na parceria criativa. 

Mas o dono da casa também brilha como baixista, em outro boogie de alto potencial nas pistas, "Momento de clareza", que conta com belo trabalho de guitarra de Davi Moraes. "Acho que nunca toquei nada com tanta nota", exagera Kassin, brincando.

O soulman Hyldon é outra participação de peso, em releitura irresistível de uma velha composição dele próprio que tinha ficado semiesquecida em "Deus, a Natureza e a Música", LP que lançou - e renegou, em meio a brigas com a gravadora PolyGram - em 1976. A gravação conta com o MPC e o groove da banda portuguesa Orelha Negra, do baterista Fred (Banda do Mar), e foi feita em Portugal, quando essa turma toda estava reunida para um show no Rock in Rio Lisboa de 2012.

Diferentemente de "Sonhando devagar", marcado por certa lisergia de composições inspiradas em sonhos, o novo disco é mais centrado no formato canção. A parcimônia nos solos e o violão de aço ancorando todas as faixas ajudam no caráter acessibilidade.

Isso não implica, claro, em concessões. Com todo amor pelo pop que possa ter, Kassin aprecia boas doses de veneno e "maldade". A abertura do disco, "O anestesista", é uma bossa com politraumatismos, feita para o disco que gravou com os poloneses do grupo Mitch & Mitch, também chegados a uma desconstrução sadia. "Quero o meu próprio anestesista/ dia e noite ao meu lado/ nos momentos mais difíceis", suplica a letra, apontando para incômodos também no plano coletivo.

Pode ser por acaso ou não a presença de Hyldon (autor de "As dores do mundo") na faixa 2. Fato é que o cotovelo lateja bonito em outras três composições, inspiradas em fins de relacionamento vividos por amigos. 

"Comprimidos demais", com Domenico Lancellotti na bateria, e "As coisas que nós não fizemos" (parceria com Chris Cummings, a.k.a. Marker Starling, que também participa aos teclados) disfarçam a melancolia com doses de dissonância cognitiva. A segunda é assumidamente um sunshine pop em andamento lento, tristonho, apesar dos soluços discothèque do baixista (o próprio Kassin).

Já a densa "A paisagem morta" parece aludir a dois clássicos brasileiros sobre o tema ("Inútil paisagem", de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, e "Atrás da porta", de Chico Buarque) nos versos iniciais: "A paisagem morta/ vive atrás da porta/ do apartamento onde vivemos". Mas musicalmente segue outros caminhos, em arranjo todo feito no mellotron. "Ficou quase um showroom de mellotron. Pensei em chamar seção de cordas e tal, mas tudo já estava soando", admite Kassin, um compositor cujo instrumento principal é a cabeça. "Durante muito tempo não tive nem violão nem teclado em casa."

No caminho inverso da dor, a redenção amorosa aparece em um lindo pós-bolero trôpego, "Enquanto desaba o mundo" (gravado anteriormente por Zabelê, filha de Baby e Pepeu, em 2015). O surrealismo, presente em alguns momentos do álbum de estreia, reaparece em "Digerido", parceria com o irlandês Sean O'Hagan (dos High Llamas) cuja demência merece ser apreciada sem spoilers.

Com sutileza e doses de ironia, Kassin trabalha cada vez melhor as relações entre letra e música, como demonstram a nonsense e trocadilhesca "Seria o donut?" (parceria com o inglês Rob Gallagher, ex-Galliano) e a vibrante Jovem Guarda psicanalisada "Sua sugestão". Na mesma linha, a releitura de "Coisinha estúpida"("Something stupid", sucesso na versão de Leno & Lílian em 1967) com Clarice Falcão investe em detalhes de perversidade.

Retirado do fundo do baú, o samba-canção "Estricnina", gravada por Toni Platão em 2000, convida a um drinque no inferno - ou seria a um inferno pessoal na boate Drink, templo histórico do sambalanço em Copacabana? Com típico humor kassiniano, a faixa faz o organista Danilo Andrade incorporar um estrebuchante Djalma Ferreira (1913-2004). "Eu quero e desejo um veneno/ que dê fim ao seu descaso", pede a letra, cruel.

Mas a maior e mais impagável maldade fica para o fim: "Taxidermia", que ironiza o romantismo dos hits declamados dos anos 1970. Francisco Cuoco talvez não curta.  

Pedro Só

KASSIN

BIOGRAFIA

 

Alexandre Kassin nasceu no Rio de Janeiro, em 1974.  A música entrou firme em sua vida por influência de Gilberto, irmão dez anos mais velho, que, aos 18, trabalhava como discotecário (assim eram chamados os DJs) em boates cariocas como a Papagaio. Aproveitando a aparelhagem profissional que o irmão montou em casa, aos 8 anos, o pequeno Kassin já se arriscava em mixagens, brincando com hits na praia funk/soul/disco. “Era o fim da discothèque, começo do funk eletrônico”, lembra o produtor, dando pistas de seus laços afetivos com os sons da era 1979/1982.

O primeiro contato com o violão também foi a partir do instrumento do irmão. Seu barato era tocar ao violão acompanhando os discos que botava pra rodar. “Eu não tocava sozinho, tentava reproduzir melodias e acordes, mas junto do disco.”

Uma coincidência ajudou a tornar a relação com a música mais profunda e trouxe referências fortes de outro gênero. No prédio onde morava, em Copacabana, seus vizinhos no andar de baixo eram um casal famoso de bossanovistas:  o baixista e arranjador Édson Lobo - que tocou com Mário Castro-Neves, Dom Salvador, Baden Powell, Elis e Tom - e sua esposa, Tita Lobo, com quem lançou discos gospel a partir de 1982.

"Eles meio que me pegaram para criar. Tenho a mesma idade do Ronaldo, filho deles", conta Kassin. Édson ensinava coisas a partir dos interesses do vizinho, e o encaminhou ao instrumento com o qual está mais associado. "Eu estava ouvindo 'Doce vampiro', da Rita Lee, que tem o baixo em volume alto, e disse que adorava aquele instrumento. Ele falou: 'Isso é o baixo'. E comecei a tocar no baixo dele", recorda Kassin (que muitos anos depois descobriria que o baixo na gravação de Rita Lee foi feito no Moog).

Nessa mesma época, entrou para o coral do colégio onde estudava, o tradicional Sacré-Coeur de Marie, ali mesmo em Copacabana. Tocava contrabaixo na escola, mas em casa tinha um violão ("roubado"/emprestado de um amigo). O Coral do Sacré-Coeur não era fraco: ganhou um concurso municipal e passou a ser requisitadíssimo em eventos. Como o professor Domingos, regente, dividia igualmente os cachês, Kassin conseguiu comprar com o próprio dinheiro, aos 13 anos, seu primeiro baixo e seu primeiro amplificador. "Era uma grana firme. Um dia cheguei em casa com uns mil dólares e minha mãe ficou achando que eu tinha entrado pro tráfico. Teve que ligar pra escola para acreditar", conta.

E então veio o baque: o irmão Gilberto morreu em um acidente de moto. "A ligação com a música vinha dele, fiquei quase dois anos meio fora do ar", lembra Kassin. Mas o professor Domingos abriu um estúdio e resolveu chamar o ex-aluno para tocar na banda "da casa". Kassin estava de volta ao universo musical, e descobrindo um novo mundo, o da criação em estúdio.

Aos 17 anos, foi estudar no CEL (Centro Educacional da Lagoa) e, na turma pré-vestibular, quase todo mundo era músico.  Começando por um repetente chamado Pedro Sá, que já era respeitado como guitarrista - havia gravado com Tom Jobim. João Callado (hoje ex-Casuarina), Bacalhau (Planet Hemp e Autoramas), Donida e Renato Martins (futuros parceiros no Acabou La Tequila), e João Duprat (amigo com quem Kassin comanda desde 2016 o podcast "A point of view" na World Wide FM). Na intensa troca de informações, Kassin lembra que passavam aulas inteiras ouvindo música nos fones, mas sem deixar de anotar a matéria. 

Depois veio o emprego num modesto estúdio chamado Groove, no Rio Comprido, zona norte do Rio. Lá, a banda "da casa" se tornou o embrião de algo maior. Quando o rapper Luis Antônio Skunk começou a trazer um certo Marcelo D2 para participar das jams, surgiu o Planet Hemp. Kassin, que estava no rolo inicial, pulou fora antes de começarem os shows. "Cara, eu não tenho nada a ver com maconha", explicou aos colegas.

Com o Acabou La Tequila, porém, a identificação era enorme. E o clima de ação entre amigos e ex-colegas de escola (Renato e Donida) favorecia a levar a banda despretensiosamente, enquanto começava a alçar outros voos profissionais. Das trilhas para espetáculos da coreógrafa Deborah Colker veio o contato com uma turma de outra geração (Dado Villa-Lobos, Sérgio Mekler, Chico Neves, Hermano Vianna...) e jobs surpreendentes, como uma leva de parcerias com o dramaturgo Luis Carlos Góes (veterano letrista de sucessos de Eduardo Dusek  como "Barrados no baile" e "Brega chique"), sob encomenda para o monólogo "Castiçais", estrelado por Luís Fernando Guimarães.

Uma coisa leva a outra, um conhecido a outro, e o jovem Kassin foi chamado para ser roteirista do "Muvuca", atração da TV Globo capitaneada por Regina Casé.  Dos 19 aos 28 anos, ele foi funcionário da TV Globo, como produtor musical, trabalhando no regime de linha de montagem da emissora. Quando acabava a temporada do "Programa Legal", prestava serviços a novelas, especiais de Roberto Carlos, o que pintasse. Foi uma ótima escola para o cumprimento de prazos e busca de soluções "de guerrilha". "Tinha que gravar o Barão Vermelho tocando num banheiro, o Cidade Negra numa piscina vazia... E mixar no mesmo dia. Depois disso, tudo passou a me parecer mais fácil", lembra.

Levando em paralelo o trabalho como guitarrista na Acabou La Tequila, Kassin percebeu que, se não saísse da Globo no momento em que as coisas começaram a acontecer para a banda, corria o risco de ficar a vida inteira preso ao que considerava um bom emprego. 

O encontro com o produtor gaúcho Carlos Eduardo Miranda (1962-2018) foi decisivo para seguir outros caminhos nos estúdios. "Irmão de consideração, uma das pessoas a quem eu devo tudo", como define Kassin, o amigo produziu e lançou por seu selo Excelente Discos o primeiro álbum do Acabou La Tequila, em 1996, ajudando a deixar ainda mais desconcertante as misturas que fugiam do ska punk para inusitadas direções, com direito a participação de João Donato. 

Kassin preferia que o grupo seguisse com Miranda, mas foi voto vencido quando aceitaram assinar com a Abril Music. Com a mudança no comando, a gravadora exigiu alterações em letras que falavam de jabá no rádio e o Acabou La Tequila, um dos segredos mais bem guardados do rock dos anos 1990, acabou tendo o disco engavetado - e com a carreira emperrada, pois tinha editado cerca de 40 músicas com a Abril (que viria a encerrar atividades em 2003).

Ruim para a banda, mas ficou o caminho aberto para Kassin ampliar seu leque. Colaborou com Lenine no álbum "Na Pressão" (1999) e depois foi convidado a integrar sua banda como baixista (função que não exercia desde os tempos do coral da escola!), começando por aí sua extensa milhagem em turnês internacionais. Foi chamado para produzir "O bloco do eu sozinho", segundo disco do grupo Los Hermanos, mas, por estar em litígio com a gravadora Abril Music, ficou apenas como baixista. A produção foi assinada por Chico Neves, incorporando ideias de Kassin e de dois amigos produtores com quem tinha "uma irmandade de troca de ideias": Tom Capone e Carlos Eduardo Miranda.

Despretensiosamente, Kassin se juntou ao projeto +2, com dois amigos e parceiros, Moreno Veloso e Domenico Lancelotti, que lhe foram apresentados pelo velho colega de escola Pedro Sá (que teve com Domenico outra banda cultuada no Rio do começo dos anos 90, Mulheres Q Dizem Sim). Depois de um primeiro show em São Paulo, resolveram levar a coisa adiante juntando pedacinhos dos respectivos estúdios caseiros para uma casa na serra fluminense.

Assim foi gravado o disco de estreia "Máquina de escrever música". Moreno descolou estúdio para mixar em Nova York, no período "morto" entre Natal e Ano Novo. Na cara, na coragem e na milhagem, os três se despencaram até a Big Apple. Sem dinheiro para sobreviverem por um mês e meio, descolaram gig numa casa noturna chamada Tonic. Três noites, uma a cada semana. Na segunda noite, foram abordados por um executivo interessado em contratar a banda. O cara ficou chateado ao saber que eles estavam nos EUA para mixar um álbum pronto. "Puxa, eu tinha vontade de produzir o disco", disse Joe Boyd, mítico produtor de discos de Pink Floyd, Nick Drake, R.E.M., Fairport Convention e Incredible String Band.

Ele estava trabalhando no selo Hannibal, que tinha sido incorporado pela Palm Pictures, cujo chefão era Chris Blackwell, outra lenda da indústria fonográfica (dono da Island Records, responsável pelo estouro de Bob Marley e U2, entre outros).  No dia seguinte, apareceu no estúdio, escutou o disco inteiro e disse: "Adorei. Tá ótimo. Queria fechar contrato com vocês, mas só consigo lançar daqui a um ano e meio". O +2 já tinha fechado um show no festival Free Jazz, seria tempo demais para ficar esperando as coisas acontecerem.

"Então, do nada, ele olhou para a mesa de pingue-pongue na frente, e falou: 'Vamos decidir no pingue-pongue. Quem de vocês joga melhor?'. Era eu. Ele disse: 'Se você ganhar, vocês lançam no Brasil primeiro e eu lanço aqui depois. Se eu ganhar, vocês só lançam daqui a um ano meio'. Eu dei uma surra nele, 21 a 7", lembra Kassin.

O disco saiu no Brasil pela Rock It! de Dado Villa-Lobos, em 2000, e só  no ano seguinte foi lançado pela Hannibal. Quando o selo americano entrou em fase administrativamente complicada, o próprio Boyd teve a elegância e o cuidado de vender o contrato do grupo para a Luaka Bop de David Byrne.

Assim, o trio +2 recebeu suporte para decolar internacionalmente a partir da ótima acolhida que a crítica deu a "Máquina de escrever música", assinado por Moreno+2 - com participações de João Donato, Andrés Levin (coprodutor, com Kassin e Moreno), Daniel Jobim e Pedro Sá, entre outros. Enquanto no Brasil o prestígio cult pouco movimentava a agenda do trio, longas turnês de até três meses por Europa e Japão alimentavam as perspectivas de uma carreira sólida.

O tempo livre era usado para seguir trabalhando como compositor de trilhas e produtor. E inventar novas gigs e projetos. Nas passagens de som, Kassin e Domenico adoravam ouvir discos de gafieira e trocar figurinhas sobre o assunto. Ao produzir o álbum "Eu não peço desculpas", de Caetano Veloso e Jorge Mautner, Kassin encontrou no velho parceiro de Mautner, o violonista Nelson Jacobina (1953-2012) um expert naquele repertório de sambas, sambas jazz e sambalanços, e a fagulha que faltava para dar início, junto com Berna Ceppas, à Orquestra Imperial.

O que era para ser uma despretensiosa gigzinha aos domingos na finada casa de shows Ballroom, no Humaitá, zona sul do Rio, acabou reunindo um timaço:  Pedro Sá, Domenico, Moreno, Amarante (Los Hermanos), os cantores Seu Jorge e Thalma de Freitas, Bartolo (guitarra), Bodão (percussão), Leo Monteiro (percussão eletrônica), Bidu Cordeiro (trombone), Felipe Pinaud (flauta), Max Sette (trompete e flugel), Mauro Zacharias (trombone) - e posteriormente a cantora Nina Becker, Rubinho Jacobina (voz e teclado), Stéphane San Juan (como percussionista) e o saudoso Wilson das Neves (1936-2017).

O repertório mágico e o clima delicioso dos shows atraiu para canjas e participações nomes legendários como Roberto Silva (1920-2012), Elza Soares, Luiz Melodia (1951-2017), Caetano Veloso, Alcione, Erasmo Carlos, Ed Motta e Bebel Gilberto entre tantos.

Bem recebida no exterior também, a Orquestra Imperial fez várias turnês internacionais e já gravou um EP ("Orquestra Imperial", de 2006) e dois álbuns  ("Carnaval só no ano que vem", de 2007, e "Fazendo as pazes com o suingue", de 2012). E segue viva promovendo todos os anos antológicos shows-bailes no período pré-carnavalesco.

A carreira de produtor, decolada a partir do trabalho com Lenine ("Na Pressão, no qual coproduziu algumas faixas, ganhou um Grammy Latino) foi consolidada aos poucos, um grande nome chamando outro, e alguns amigos crescendo juntos. Assim elogiou Caetano, ao escrever sobre "Eu não peço desculpa", álbum que lançou em parceria com Jorge Mautner em 2002: "Sem Kassin, este disco não seria o que é. Completamente do mundo dos novos miniestúdios com Pro Tools, informadíssimo, inspiradíssimo, tem tão pouco medo do ridículo quanto Mautner. Tem também um suingue incrível".

Na sequência, vieram Adriana Calcanhoto ("Cantada", 2002), os dois best-sellers com seus amigos e contemporâneos de "underground" carioca, Los Hermanos ("Ventura", de 2003, e "4", de 2005) e mais um com Caetano ("A foreign sound", 2004). Kassin passou a ser percebido como um profissional capaz de lidar com o mainstream, alcançando bons resultados artísticos e também ótimas vendas.

A associação com Vanessa da Mata, iniciada com a produção de alguma faixas de seu disco de estreia ("Vanessa da Mata", 2002, disco de ouro) foi importante para esse aval nos dois aspectos (qualidade e popularidade). Em parceria com o renomado Mario Caldato Jr. (Beastie Boys, Jack Johnson) Kassin coproduziu seu terceiro álbum, "Sim" (2007), gravado entre Brasil e Jamaica (que rendeu outro Grammy Latino e platina dupla pelas 600 mil cópias vendidas. Atuou como diretor musical da turnê subsequente, registrada em "Multishow ao vivo" (2009) e também veio a produzir "Bicicletas, bolos e outras alegrias" (2010), "Vanessa  canta Tom Jobim" (2013) - todos os três com certificado de Disco de Platina - e "Segue o som" (2014), coproduzido com Liminha, que rendeu disco de ouro.

Enquanto isso, o +2 deu sequência à sua discografia com "Sincerely Hot" (lançado em 2004), assinado como Domenico +2 e, já ajustado aos novos tempos, lançado pelo selo próprio (de Kassin e Berna Ceppas) Ping Pong. O disco foi produzido por Kassin, que teve maior participação como compositor: assina oito das faixas em parceria com Domenico).

Em 2006 veio "Futurismo", também lançado pela Ping Pong Discos, e chegou a vez de a assinatura ser Kassin +2, com o repertório dando vazão a sua ótima produção autoral. Velhos visionários como João Donato e Jorge Mautner participam com brilho e puxam o barbante de certa linha evolutiva auxiliar (no sentido de alternativa) da MPB. Na faixa-título, Nelson Jacobina toca o violão, e Los Hermanos são a banda de apoio em "Mensagem" (com Los Hermanos no apoio). Mas a faixa de maior repercussão foi a guitarrada "Água", pescada pouco depois por Caetano Veloso para o roteiro de seus shows com a banda Cê.  

Em 2009, o +2 lançaria ainda "Imã" (com os nomes dos três integrantes na capa), quase todo instrumental, trilha de um espetáculo de dança do renomado Grupo Corpo.

Em meio a tudo isso, há uma carreira como artista solo - e com projetos solo também. O singularíssimo álbum "Free U.S.A.", lançado sob o nome Artificial, com faixas feitas em um Game Boy, veio à tona em 2005. A ideia surgiu a partir de uma viagem ao Japão para acompanhar o nascimento de sua filha mais velha, quando Kassin se viu por mais de um mês sem instrumento musical à mão e decidiu explorar as possibilidades sonoras do aparelhinho.

Em outra passagem pelo arquipélago nipônico, depois de um show que teve participações de Cornelius e Hiroshi Takano, recebeu o convite para fazer a trilha de "Michiko & Hatchin", série de anime cuja história seria passada em um país fictício, mas muito semelhante ao Brasil. "Eram 64 temas, com tudo especificado - tom, bpm, em tantos minutos tem uma cena de perseguição, a parte tal é com big band - pelo diretor, Shinichiro Watanabe, o cara que fez 'Cowboy Bebop' (uma das mais famosas séries de anime)", conta Kassin.

A relação com o Japão, onde passa pelo menos um mês ao ano, vai além dos laços familiares. "Sempre fui fascinado pelo país, como a maioria dos brasileiros, talvez pelos contrastes. É um país muito velho, com muita tecnologia, em muitos sentidos são tudo que o Brasil não é. E o amor é mútuo; o japonês ama música brasileira", explica Kassin, nostálgico das visitas às lojas de disco do país.

Dono de um pantagruélica coleção de discos, ele calcula ter 7 mil LPs em casa, e um sotão entupido de CDs - a maioria deles, infelizmente, encaixotados. Jura, porém, não ter o espírito de colecionador. Vai acumulando os discos (desde os 8 anos de idade) por causa da voracidade dos ouvidos e da mente, incansável caçadora de referências e novidades, ainda que essas novidades venham do passado de países remotos e de ritmos fora de moda.

Esse apetite transparece nos discos solo que lançou, elogiados pela crítica no Brasil e no exterior. "Sonhando devagar" (2011) entrou na lista de melhores do país em 2011, com o desconcertante ecletismo  de sempre muito bem conceituado nas transições entre psicodelismo, tecnopop, pós-bossa e outros gêneros latinos . 

"Relax" (lançado no Japão em 2017 e no Brasil em 2018 pelo selo Lab 344), avança nas misturas e no embaralhar de décadas das referências, com o surrealismo das letras afiado como nunca. O mestre produtor e arranjador Lincoln Olivetti (1954-2015), com quem Kassin trabalhou e aprendeu em seus últimos anos, é homenageado na faixa-título e em ecos ao longo do disco.

Nos últimos dez anos, produziu discos importantes de Marcelo Jeneci (em sua aclamada estreia, "Feito pra acabar", 2010, e em "De graça", 2013), Malu Magalhães ("Malu Magalhães", seu segundo álbum, de 2009), Zélia Duncan ("Tudo esclarecido", 2012) e Nação Zumbi (em seu oitavo CD, "Nação Zumbi", 2014) e outros; também  teve o prazer de trabalhar com lendas como Erasmo Carlos ("Gigante Gentil, 2014), Gal Costa ("Estratosférica", 2015, em parceria com Moreno) e o saudoso Tim Maia (no póstumo "Tim Maia Racional, Vol. 3", 2011).

Nem por isso Kassin deixou de trabalhar com jovens revelações como o pernambucano Zé Manoel ("Canção e silêncio", apontado como um dos melhores álbuns brasileiros de 2015, coprodução de Kassin com o amigo Carlos Eduardo Miranda), Filipe Catto ("Tomada", 2015),  Jonnata Doll  e os Garotos Solventes ("Crocodilo, 2016), Clarice Falcão ("Problema meu", 2016), a dupla Anavitória (EP "Anavitória canta para pessoas pequenas, pessoas grande e não pessoas também", 2017), o carioca radicado na França Vitto Meirelles ("Vem ", 2017, com participações de Gilberto Gil e Agnès Jaoui) e tantos outros.

As conexões internacionais, que remontam aos primeiros  contatos com o guitarrista e produtor Arto Lindsay, se espalham com capilaridade. Kassin tem parcerias com o irlandês  Sean O'Hagan (High Llamas) e o canadense Chris Cummings, a.k.a. Marker Starling, entre outros.

Para o DJ e dono de selo franco-britânico Gilles Peterson, que o definiu como "o Brian Eno do Brasil", ele produziu em 2014 o álbum "Sonzeira: Brasil  Bam Bam Bam", com Elza Soares, Wilson das Neves, Marcos Valle e outros bambambans. 

Na seara latina, produziu em 2017 Debi Nova, costarriquenha radicada na Califórnia, e o colombiano Santiago Cruz, 2016, dividindo créditos com o sempre parceiro Mario Caldato.

Com o grupo polonês Mitch & Mitch, a conexão foi tanta que ele compôs, gravou com eles um disco inteiro "Visitantes nordestinos" (lançado apenas na Europa em 2017). 

E os projetos paralelos não param. Com os amigos Alberto Continentino (baixo, para quem produziu em 2015 um excelente álbum solo, "Ao som dos planetas"), Danilo Andrade (teclados), Guilherme Monteiro (guitarra) e Stephane San Juan (bateria), empunha a guitarra em uma formação instrumental, Cometa, desde 2014. No ano seguinte registraram em disco (intitulado “Cometa”) o que chamam de “temas interestelares” com  elementos de surf music e trilhas de “western spaghetti.

O Cometa segue ativo, podendo reparecer a qualquer momento em shows abertos para o improviso, seja no estúdio Audio Rebel, no Rio (“quintal” deles) ou em outro canto do planeta.

Com tantas atividades e produtividade, não é por acaso que Kassin deixa quase todos os seus instrumentos e "brinquedinhos" vintage no estúdio Marini, onde trabalha, em Botafogo. Em casa, apenas um piano elétrico Wurlitzer. "Música eu faço primeiro na minha cabeça", sentencia.

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